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8 de maio de 2017
Doenças Autoimunes: Introdução
16 de maio de 2017

Alimentação e Autoimunes

Compreenda a relação

Com as “praticidades do mundo moderno”, em que temos vários alimentos industrializados prontos e sempre a mão, deixamos de lado a alimentação saudável de antes para nos inundar de aditivos químicos. Substâncias estas que durante milênios nosso intestino não manteve contato, como corantes, adoçantes, refinados, glúten, que podem acionar o gatilho para genes de doenças que até então estavam inativos, tais como as autoimunes. Compreendem o que quero dizer? Nossas atitudes e o que comemos tem tudo a ver com as autoimunes.

A alimentação é um fator de risco para ocasionar inflamações no organismo. Pode-se dizer que não há itens específicos a se adicionar ao estilo alimentar, mas sim, há exclusões que podem trazer benefícios, tanto na prevenção de um processo inflamatório que ocasione uma autoimune, quanto na melhoria de um quadro da doença.

O que quero dizer: da mesma forma que existem alimentos que servem de “guardiões” da nossa saúde, alguns se comportam como verdadeiros “vilões”, potencializando ainda mais os efeitos das disfunções, devido a sua ação inflamatória, alergênica.

Podemos citar como exemplo o glúten[1] proveniente de determinados produtos que comemos. Com propriedades inflamatórias, este alimento pode adoecer o intestino – vital na proteção do sistema imunológico. Existem estudos que mostram que o glúten também pode sensibilizar o trato intestinal de pessoas não celíacas[2], o que dificulta o processo de absorção dos nutrientes de alimentos, além de causar desconfortos. O intestino desempenha função vital de proteção do organismo “contra a entrada de substâncias nocivas, e proteger contra uma reação a onipresente compostos inofensivos[3].

Outro elemento que também pode contribuir para esse processo inflamatório é a lactose. Essa intolerância pode ocorrer em dois momentos: em pessoas nascem sem a capacidade de produzir a enzima (lactase) [4] que quebra a lactose, o açúcar do leite; ou porque a ingesta de produtos que contêm leite é aumentada, ocasionando uma sensibilização no trato intestinal pelo excesso de lactose não metabolizada.

O LEITE

Assim como o glúten, o leite também tem potencial inflamatório para o intestino. E, consequentemente, pode ser considerado fator de impacto para uma doença autoimune. Vamos entender.

A intolerância a lactose pode ocorrer em dois cenários: quando o indivíduo nasce [5] sem a capacidade de produzir a enzima lactase, responsável pela quebra a lactose _ o açúcar do leite [6]. Ou quando deixa de produzi-la ao longo da vida, seja por envelhecimento natural do organismo ou por lesões no intestino. A gravidade e intensidade dos sintomas pode variar de acordo com a quantidade de alimentos a base de leite e de quanta lactose cada pessoa é capaz de suportar sem passar mal. Entre os sintomas, os mais típicos são dores abdominais, sensação de inchaço abdominal, flatulência, diarreia e vômitos. Em algumas pessoas a lactose pode colaborar para o aumento de sintomas de doenças broncorespiratórias como Rinite, Sinusite e produção de muco (catarro) recorrente.

Você pode se perguntar: mas antigamente não existiam tantos casos de intolerância a lactose como hoje e as pessoas bebiam leite. Esse ponto é muito importante e merece uma reflexão. Há décadas atrás não existia essa quantidade de produtos industrializados cheios de lactose, glúten e aditivos químicos como atualmente. Nossos avós e bisavós ingeriam leite in natura, integral e não aquele que vem na caixinha. E a quantidade também era bem menor. Existem estudos que mostram que há cerca de 40 anos atrás, algumas pessoas produziam lactase na fase adulta [7]. Porém, esse cenário vem mudando muito por conta da grande oferta de lactose presente em produtos como biscoitos, pães, iogurtes entre outros. Com isso, se promove uma sensibilização do trato intestinal mediante a tanta oferta de lactose a ser digerida. Aí o gatilho para doenças autoimunes pode ser acionado.

Portanto, aqui vão duas valiosas dicas: se você suspeita de intolerância ao leite, experimente deixar de consumi-lo por uma semana, isso inclui seus derivados também. Se os desconfortos desaparecerem, pode ser um indício forte de um quadro de intolerância.

O que aconselhamos é sempre procurar orientação médica e/ou de um nutricionista funcional a qualquer sintoma anormal. Isso porque alguns deles podem não estar relacionados à intolerância a lactose. Alergia à caseína, síndrome do intestino irritável, doença celíaca, doença de Crohn, colite ulcerativa, alergias alimentares diversas e endometriose estão entre às disfunções que apresentam um quadro de sintomas similar ao da intolerância à lactose.

O  GLÚTEN

O glúten é a combinação de dois grupos de proteínas: gliadina e gluteina[8][9], sendo encontrado no trigo, cevada, centeio e malte por exemplo. É ele quem faz “aquele pão ficar mais fofinho e macio”, “o biscoito mais saboroso”. Entretanto, devido ao seu potencial inflamatório do intestino, pode ocasionar danos ao organismo. (isso sem falar dos celíacos, que aprofundaremos mais pra frente na nossa série) O glúten pode ativar os “gatilhos” que falamos no post anterior de genes de doenças autoimunes, antes estavam inativos no organismo.

A inflamação, de forma geral, é um processo em que os mecanismos de defesa do corpo atuam contra uma infecção. Ao ingerirmos glúten em excesso, podemos levar o intestino a um estado inflamatório, fragilizando-o e causando desconfortos. Isso ocasiona numa sensibilidade ao glúten não celíaca[10] [11]. Alguns efeitos nocivos são fáceis de perceber, como ganho de peso, desconforto ou inchaço abdominal – danos que, a princípio, podem nem parecer tão graves assim.

No livro Barriga de Trigo[12], o autor, William Davis, médico cardiologista, menciona que nos anos 50 e 60 as pessoas eram mais magras comparadas com os dias de hoje, não existia essa cultura da prática de exercícios tão expoente e muito menos tantas campanhas sobre alimentação saudável. Isso ocorria, segundo ele porque se consumia bem menos produtos a base de trigo. E reforça que de antigamente não é o mesmo que consumimos hoje. A farinha que consumimos hoje não é a mesma que nossos avós usavam. A de hoje é muito mais rica em glúten. “O trigo moderno tem tão pouco a ver com o trigo verdadeiro…” cita William em seu livro.

Davis ainda reforça que o aumento do consumo de grãos como o trigo, chamando-o de “coisa geneticamente modificada conhecida como trigo moderno” justifica a diferença entre o perfil corporal das pessoas da década de 50 _ que eram magras e não praticavam atividade física _ comparado a população do século XXI, que apresentam quadros de sobrepeso.
Saiba mais sobre os efeitos nocivos do glúten no próximo post.

Alguns dos efeitos nocivos do consumo exacerbado de glúten citados por David listam-se estimulação do apetite, picos exagerados de açúcar no sangue fazendo com que o período de saciedade seja encurtado, além de inflamações e alterações do pH, que podem provocar desgaste nas cartilagens e prejuízos ósseos. O sistema imune também sofre com esses exageros[13].

Davis esclarece que pode haver uma melhora nos sintomas como os citados acima em alguns de seus pacientes que, depois de suas recomendações retiraram temporariamente o trigo de sua alimentação. É comum recomendar a diminuição da ingesta de gorduras, tachando-as como grandes vilões da saúde, mas existe um outro “inimigo” entre nós que trabalha silenciosamente e sem o menor empecilho, o trigo. Ele destaca também a redução de gordura abdominal, visceral, que é considerada prejudicial a saúde.

“A triste verdade é que a proliferação de produtos feitos de trigo na dieta norte americana corresponde à expansão de nossa cintura. A recomendação de que se reduzisse a ingestão de gorduras e colesterol e se repusessem essas calorias pelo consumo de grãos integrais, feita pelo National Herat, Lung, and Blood Institute (Instituto Nacional do Coração, Pulmão e Sangue) por intermédio de seu National Cholesterol Education Program (Programa Nacional de Educação sobre o Colesterol), em 1985, coincide exatamente com o início de uma acentuada curva ascendente do peso corporal de homens e mulheres,” explica Davis no livro.

Se você perceber qualquer sintoma anormal e suspeita que possa ser devido ao glúten, faça um teste. Retire todos os alimentos à base dele por 30 dias. Se esses sintomas sumirem, pode ser que exista uma indisposição ao glúten e valha a pena conversar com médico sobre o assunto.

VITAMINA D

Um dos elementos-chave quando se trata de saúde do organismo é a Vitamina D. Considerada um hormônio (ou seja, é metabolizada no organismo, pelo fígado e rins) e pertence ao grupo das lipossolúveis (derivada do colesterol). Além disso, é um importante nutriente responsável por auxiliar a fixação do cálcio nos ossos.

A Vitamina D tem papel fundamental no fortalecimento do sistema imunológico[14] – ela ativa e desativa determinados genes e processos que o corpo mantem para regular a saúde do organismo, como o processo de interação das células como linfócitos e os macrófagos[15]. Ficou confuso? Vamos entender isso!

Os linfócitos – glóbulos brancos do sangue – são como “soldados de defesa” do nosso organismo. E, os macrófagos, por sua vez, são responsáveis pela “limpeza”. Após os “soldados” matarem os corpos estranhos (antígenos) que podem afetar nosso sistema imune, os macrófagos vão lá e os removem de nosso corpo. (a chamada fagocitose – quem se lembra das aulas de biologia celular?!).

Com isso, podemos compreender que se trata de uma ferramenta que tem potencial preventivo das autoimunes e, também, atua em favor da conduta terapêutica, conforme apontam estudos[16].

Mas, aonde obter vitamina D? Atualmente, devido ao estilo alimentar e comportamento, manter os níveis do hormônio é um desafio. O sol é o maior imunoprotetor biológico que a natureza oferece. Por meio da exposição solar que recebemos 90% dos níveis que nosso corpo necessita. Entretanto, o acesso a ele é muito aquém do ideal. Ao menos uma vez ao dia, preferencialmente no período de 11h às 16h, busque 10 minutos de exposição ao sol (nada de “torrar”, não é isso). É uma medida simples, mas, ainda assim, muitos a ignoram.

Agora, para aqueles que mesmo assim não tem tempo ou tem alguma restrição aos raios solares, existe suplementação da vitamina D. Busque consultar o seu médico para que seja possível encontrar a dose adequada para você, porque esta substância é extremamente necessária para nós. Quero que entendam isso.

No caso da alimentação, evitar produtos industrializados é a máxima indicada em toda circunstância. É indicado incluir como fonte de vitamina D o salmão, óleo de fígado de peixe, fígado de carne e ovos.

Fontes de vitamina D

A principal fonte de obtenção deste hormônio é a exposição solar (90%). Como isto ocorre? As células cutâneas chamadas “queratinócitos” (sobre influência do calor e radiação ultravioleta) irão agir sobre um produto residual do colesterol, o 7-dehidrocolesterol, e a partir daí uma sucessão de reações bioquímicas naturais do organismo levarão a ativação da vitamina D.

A alimentação proporciona pequenos níveis de vitamina D, destacando-se óleo de fígado de bacalhau, gema do ovo e peixes como atum, sardinha, salmão e cavala.

A vitamina D pode ser definida como um modulador imunológico natural e, após a ativação dos seus receptores (VDR), regula o metabolismo do cálcio, o crescimento celular, a apoptose e outras funções imunológicas[17].

São funções já bem estabelecidas do hormônio D: metabolismo do cálcio e mineralização óssea, transcrição de genes e, associada a bons níveis de testosterona – por diminuir a efetividade da enzima aromatase, converte testosterona em estradiol.

Há estudos que tem demonstrado que a deficiência de vitamina D pode estar associada ao câncer de mama[18], de próstata[19,20] e as doenças autoimunes, incluindo esclerose múltipla, artrite reumatoide, diabetes tipo 1 e lúpus eritematoso sistêmico[21].

Muito há para se avançar em novos estudos científicos neste campo, mas é sabido que a vitamina D pode reduzir os sintomas da doença autoimune por meio da supressão do sistema imunológico[22], além de contribuir para inibir processos pró-inflamatórios, suprimindo a atividade aumentada de células imunes que participam na reação autoimune[23].

Quando falamos em vitamina D e autoimunes é preciso compreender que cada organismo é único. O que quero dizer? Que cada pessoa deve buscar por meio de acompanhamento médico e nutricional (de preferência funcional) a conduta que corresponde às necessidades individuais. Muitos fatores em nosso estilo de vida moderno nos predispõem a evitar a luz solar. Tomar sol, por sua vez, num período de 10 min./dia, é uma estratégia para alcançar benefícios à saúde, sobretudo, preventivos e contribui para fortalecer o sistema imune.

Leia também:

Introdução
Doença Celíaca
Lúpus
Doença de Chron
Tireoidite de Hashimoto
Diabetes Tipo 1

Conclusão

REFERÊNCIAS

[1] Akobeng AK, Thomas AG. Síndrome de Refeeding após o tratamento nutricional enteral exclusivo na doença de Crohn. J. Pediatr. Gastroenterol. Nutr . 51 (3), 364-366 (2010).
[2] Catassi, Carlo et ai. “Non-Celiac Gluten Sensitivity: The New Frontier of Gluten Related Disorders.” Nutrientes 5.10 (2013): 3839-3853. PMC . Rede. 10 de maio de 2017.
[3] König, Julia et ai. “Função da Barreira Intestinal Humana em Saúde e Doença”. Gastroenterologia Clínica e Translacional 7.10 (2016): e196-. PMC . Rede. 10 de maio de 2017.
[4] Deng, Yanyong et al. “Lactose Intolerance in Adults: Biological Mechanism and Dietary Management.” Nutrients 7.9 (2015): 8020–8035. PMC. Web. 10 May 2017.
[5] Swallow D.M. Genetics of lactase persistence and lactose intolerance. Ann. Rev. Genet. 2003;37:197–219. doi: 10.1146/annurev.genet.37.110801.143820.
[6] Vesa T.H., Marteau P., Korpela R. Lactose intolerance. J. Am. Coll. Nutr. 2000;19(Suppl. S2):165S–175S. doi: 10.1080/07315724.2000.10718086.
[7] Ingram CJ, Mulcare CA, Itan Y., Thomas MG, Swallow DM Lactose digestion and the evolutionary genetics of lactase persistence.
[8] Elli, Luca et al. “Diagnosis of Gluten Related Disorders: Celiac Disease, Wheat Allergy and Non-Celiac Gluten Sensitivity.” World Journal of Gastroenterology : WJG 21.23 (2015): 7110–7119. PMC. Web. 10 May 2017.
[9] Clemente, M G et al. “Early Effects of Gliadin on Enterocyte Intracellular Signalling Involved in Intestinal Barrier Function.” Gut 52.2 (2003): 218–223. Print.
[10] Elli, Luca, Leda Roncoroni e Maria Teresa Bardella. “Non-Celiac Gluten Sensitivity: Time for Sifting the Grain.” Jornal Mundial de Gastroenterologia: WJG 21.27 (2015): 8221-8226. PMC . Rede. 10 de maio de 2017.
[11] El-Salhy, Magdy et ai. “A Relação entre Doença Celíaca, Sensibilidade Glúten Nonceliac e Síndrome do Cólon Irritável.” Nutrition Journal 14 (2015): 92. PMC . Rede. 10 de maio de 2017.
[12] Davis, William. Barriga de Trigo. Ed. Martins Fontes. 1 ed. São Paulo 2014.
[13] Willian Davis é médico cardiologista norte americano, graduado em 1985 pela Escola de Medicina da Universidade de St. Louis e pela Ohio State University Hospitals para treinamento em Medicina Interna e Doenças Cardiovasculares. Atualmente, trabalha com cardiologia preventiva na cidade de Milwaukee, Wisconsin (EUA).
[14] Cantorna MT. Vitamin D and autoimmunity: is vitamin D status an environmental factor affecting autoimmune disease prevalence? Proc Soc Exp Biol Med 2000; 223:230-3.
[15] Marques, Cláudia Diniz Lopes; Dantas, Andréa Tavares; Fragoso, Thiago Sotero; Duarte, Ângela Luzia Branco Pinto. A importância dos níveis de vitamina D nas doenças autoimunes: [revisão]
[16] Szodoray P, Nakken B, Gaal J, Jonsson R, Szegedi A, Zold E et al. The complex role of vitamin D in autoimmune diseases. Scand J Immunol 2008; 68(3):261-9
[17] Agmon-Levin, N., Theodor, E., Segal, R.M. et al. Vitamin D in Systemic and Organ-Specific Autoimmune Diseases. Clinical Reviews in Allergy & Immunology. October 2013, Volume 45, Issue 2, pp 256–266
[18] Jasmaine D. Williams, Abhishek Aggarwal, Srilatha Swami, Aruna V. Krishnan, Lijuan Ji, Megan A. Albertelli, Brian J. Feldman; Tumor Autonomous Effects of Vitamin D Deficiency Promote Breast Cancer Metastasis. Endocrinology 2016; 157 (4): 1341-1347. doi: 10.1210/en.2015-2036
[19] Khan MA, Partin AW. Vitamin D for the Management of Prostate Cancer. Reviews in Urology. 2004;6(2):95-97.
[20] Schwartz GG, Hulka BS. Is vitamin D deficiency a risk factor for prostate cancer? Anticancer Res. 1990;10(5A):1307–1311.
[21] Yap KS, Northcott M, Hoi AB, Morand EF, Nikpour M. Association of low vitamin D with high disease activity in an Australian systemic lupus erythematosus cohort. Lupus Sci Med. 2015 Apr 8;2(1):e000064.
[22]Griffin MD, Xing N, Kumar R. Vitamin D and its analogs as regulators of immune activation and antigen presentation. Annu Rev Nutr. 2003;23:117-45.
[23] rnson Y, Amital H, Shoenfeld Y. Vitamin D and autoimmunity: new aetiological and therapeutic considerations. Ann Rheum Dis. Sep 2007;66(9):1137-42.

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