Interrompemos a programação desta semana para repercutir um assunto que hoje esteve em evidência na grande imprensa nacional: o glúten. Quero chamar a atenção, sobretudo, para a forma como foi reportada a questão: “Dieta sem glúten favorece contaminação por arsênio e eleva risco de doenças”. Será isso mesmo, da forma como foi apresentado nesta frase? Vamos compreender.
Uma mensagem equivocada pode contribuir com um desserviço. Quantas pessoas que já retiraram o glúten ou que estavam ponderando a exclusão, após ler este conteúdo – às vezes rapidamente e atentos apenas à chamada -, podem ser levadas a compreender de forma distorcida do que se trata de fato esta questão. Quem vibra com isso, sem dúvida, é a indústria, que indiretamente fortalece seu conceito equivocado e distorcido em relação aos alimentos.
O The New York Times, jornal que possivelmente foi a fonte internacional primária desta informação disseminada no Brasil, publicou a matéria com a seguinte perspectiva: “A Downside of Gluten Free” – que quer dizer numa tradução livre “uma desvantagem do gluten-free”. E, no início, traz o seguinte apontamento – “Uma dieta sem glúten pode ter uma desvantagem: aumento dos níveis sanguíneos de arsênio e mercúrio, de acordo com um relatório preliminar”. Acesse linkhttp://nyti.ms/2kudZ4e
Epidemiologistas da Universidade de Illinois, em Chicago, que tiveram seu estudo publicado no periódico “Epidemiology”, avaliaram pessoas que estavam numa dieta sem glúten. Como resultado observaram que concentrações de arsênio na urina dos que não consumiram o glúten foram quase duas vezes maior do que aqueles que o consumiram. Os níveis de mercúrio no sangue também se mostraram mais elevados neste grupo. Atentem a este trecho: “Um possível culpado? Arroz, que pode absorver metais da água e do solo. Segundo o autor sênior do estudo, Maria Argos, epidemiologista da Universidade de Illinois em Chicago, as pessoas em dietas sem glúten tendem a aumentar sua ingestão de arroz comendo produtos sem glúten especiais que contêm arroz ou xarope de arroz como adoçantes”
Por que quis grafar e reproduzir o conteúdo do NY Times? Porque temos de ter cuidado com a interpretação daquilo que lemos. Ao lermos uma manchete que uma dieta sem glúten favorece a contaminação por arsênio e eleva risco de doenças – o que pensamos? Que não comer glúten pode fazer mal à saúde.
Quando compreendemos o que a pesquisa publicada nos revela verificamos que ao não comer o glúten, as pessoas tendem a migrar para outras fontes de alimentos e, em grande parte, consomem produtos derivados do arroz – que é sabido ser um alimento altamente exposto à toxicidade por conta de ser cultivado de forma aos grãos terem contato a estes elementos químicos em maior quantidade, aumentando a absorção dos mesmos. Quando em contato com o organismo, pode gerar prejuízos à saúde.
Quando falamos para excluir o glúten da alimentação, não se trata de um modismo ou mesmo de demonizá-lo, mas sim, de saúde. O glúten ainda pode ser inflamatório ao organismo. Aos celíacos então é mandatório ficar longe dele, como já é consolidado.
Porém, o alerta que vale pra mim ou para o celíaco é o mesmo. De nada adianta trocar “6 por meia dúzia”. Explico: paro de comer o pão, o bolo com glúten, mas dai vou lá e me empanturro de outros produtos a base de farinha de arroz, de tapioca etc. Nada muda. É o mesmo que parar de consumir refrigerantes e passar a tomar suco de frutas de caixinha, industrializado.
Quantidade está longe de qualidade. E, no caso do arroz, elemento analisado como tóxico pelos níveis de arsênio e metais – o que não nos é novidade – mostrou-se elevado nas pessoas que não consumiam glúten, não pelo elemento em si, mas por terem migrado a este outro produto danoso. “6 por meia dúzia” – entenderam? O excesso é um problema – porque pode transformar um elemento saudável em um vilão.
Preste atenção, o assunto não está contido apenas na dieta sem glúten, mas a dieta sem farinha. A indústria nos empurra ainda a farinha de trigo refinada – que é o “açúcar salgado”. Devido ao seu processo de refino perde todo o nutriente e ainda é submetido a elementos químicos que a tornam um antinutriente. Além de seu alto índice glicêmico, são turbinadas no glúten, para tornar mais palatável e duradouro o pãozinho, o confeito etc.
Em lugar de farinha à base de arroz procure utilizar a de amêndoas, o de coco – que tem baixo índice glicêmico.
Por fim, a pesquisadora ouvida pelo NY Times relata que “as pessoas devem estar cientes do que eles estão comendo. Eles estão consumindo muito mais arroz do que imaginam”.
Realidade Brasileira
A pediatra Natália Almeida Prado, do Núcleo de Pediatria do Instituto Dr. Barakat de Medicina Integrativa, que já vivenciou muitas mães com dúvida quanta ao consumo do arroz na gestação e infância, esclarece algo que considero fundamental nesta abordagem, e refere-se a nossa realidade no Brasil: aqui, diferentemente do que observado nos Estados Unidos (objeto do estudo) – há um alto consumo do arroz pela população – inclusive de quem come o glúten. “Lá, eles praticamente não comem arroz. Consomem como demonstrado no estudo outros derivados, como a farinha do grão”.
Por aqui no País é possível ainda que aqueles que excluem o glúten da dieta, na verdade, sejam mais conscientes sobre a alimentação saudável e comam em lugar do grão tubérculos, como batata-doce, mandioca etc. “Acredito que se feita no Brasil esta comparação o resultado talvez se mostrasse diferente, por conta destas peculiaridades nutricionais”, esclareceu Natália. “Quem faz uma dieta sem glúten orientada opta pela variedade nutricional e, consequentemente, não terá este excesso”, complementa ela.
É preciso dizer, entretanto, que não se deve ficar desesperado. Há meios de consumir um arroz “limpo”, de plantações orgânicas e biodinâmicas. E, também, é possível avaliar os níveis de intoxicação por arsênio no organismo e iniciar um processo de destoxificação. Para as crianças, no caso, Natália relata que o leite de arroz orgânico é a melhor opção.
REFERÊNCIA
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