Vamos ingressar no universo da Paleolítica. Também conhecida como “primal” – termo criado por Mark Sisson[1], a Paleo consiste num conjunto de práticas que tem como base seguir um comportamento semelhante ao do homem da idade da pedra. Mas, o que significa dizer isso?
Nos tempos primitivos, numa época conhecida como “Era Paleolítica” – ou Idade da Pedra, a civilização era “caçadora-coletora”, ou seja, a sobrevivência era calcada na caça, pesca e extrativismo rudimentar. Além da questão alimentar, o ser humano vivia em movimento, exposto ao sol diariamente (produção de vitamina D).
Trata-se de um período que antecede a evolução dos processos industriais que passaram a interferir no comportamento da humanidade. O sedentarismo, a falta de vitamina D (decorrente da baixa exposição ao sol) e o contato com novos alimentos ativou genes de doenças.
Determinados produtos que passamos a ingerir contribuíram para acionar gatilhos para obesidade, diabetes, comprometer o sistema imunológico e desencadear processos inflamatórios, bem como doenças autoimunes, demências, câncer entre outros agravos.
A vasta oferta de produtos congelados e outras “praticidades alimentares”. Estas “facilidades” proporcionaram um ambiente de sedentarismo, de ausência a exposição solar (e com isso baixa nos níveis de vitamina D no organismo), e, no que cabe a interferência alimentar, a vasta oferta de comida processada, embutida, refinada com conservantes, corantes, e outros produtos contribuiu para o adoecimento do organismo.
Se observarmos com os olhos da vida moderna, pode parecer um tanto “bárbaro” como vivia o homem paleolítico, porém era saudável! E ainda detemos em nossa composição genética a identidade de caçadores-coletores.
Nossos genes foram moldados durante esta era Paleo, dentro de determinadas condições ambientais. Estamos adequados geneticamente a praticar atividades físicas, a tomar sol, a consumir alimentos como plantas silvestres, raízes, tubérculos, animais e frutos do mar e não processados como açúcar, farinha e gordura refinada e etc[2]
Mais do que se inspirar na alimentação do homem primitivo, trata-se de se espelhar nos aspectos ligados ao comportamento deste hominídeo das cavernas como forma de alcançar qualidade de vida e saúde.
É isto que Mark Sisson – criador do conceito Primal – nos trouxe como base de seus estudos do homem primitivo. Mais do que um plano alimentar, trata-se de um conjunto de práticas saudáveis inspiradas no homem primitivo. Ele esclarece que os alimentos que nossos antepassados comiam, a quantidade de sol que eles absorviam e a prática de atividades (no caso movimentação) que estabeleceram para sobreviver moldaram seu genoma. Sisson diz: “enquanto o mundo mudou de inúmeras formas nos últimos 10 mil anos (para melhor e pior), o genoma humano mudou muito pouco e, portanto, só prospera em condições semelhantes” (a do homem primitivo).
O que mudou da era primitiva para cá? O modo como vivemos e o que ingerimos como alimento. Sempre que falo de Paleo é comum dizerem: “mas naquela época o homem das cavernas morria cedo”. Pode ser, mas de acidentes, ou devorado por feras e outras questões. Hoje, realmente, nossa expectativa de vida aumentou. O que é algo bom, se não fosse a forma que isso ocorreu.
Há quem viva mais, mas sem qualidade de vida ou autonomia, doente e à base de medicação. É isto que chamamos viver de fato? É de se refletir.
Entre os conceitos-chave do Plano “Primal” de Sisson quero compartilhar dois – que como ele mesmo diz, “não se tratam de nada novo, pelo contrário, são leis que governam a evolução humana há dois milhões de anos”:
O primeiro deles é que a predisposição genética não significa que seu destino esteja selado. Ou seja, é possível reprogramar os genes. O que você come, a prática de exercícios, dormir com qualidade, gerenciamento do estresse, interação com o meio externo são fatores que determinam como seus genes se expressam e, consequentemente, seu nível de saúde.
Outro aspecto – o 2º – cabe à ingesta de gordura em lugar de carboidratos (lembram do que vimos na LCHF ‘low carb high fat’?). Nosso organismo é hábil em armazenar e queimar gordura, que é fonte ideal e constante de energia constante para nosso corpo.
As dietas alimentares dos caçadores-coletores podem representar um padrão de referência para a nutrição humana moderna bem como ser um modelo de defesa contra determinadas doenças[3].
Será que realmente comer carne vermelha ou evitar exposição ao sol – para citar apenas dois aspectos – é o que nos causará danos? Ou o malefício está um conjunto de comportamentos alimentares e de práticas cotidianas – como comer congelados e industrializados? Como vimos inclusive na nossa recente série sobre Colesterol, o consumo de gordura saturada, presente nas carnes (não embutidas ou industrializadas) não aumenta o risco de doenças cardiovasculares[4] ou diabetes[5]. A paleolítica pode resultar em melhoria de curto prazo da síndrome metabólica[6].
Em particular os procedimentos de processamento de alimentos introduzidos durante os Períodos Neolítico e Industrial (com seus produtos lácteos, cereais, cereais refinados, açúcares refinados, óleos vegetais refinados, carnes gordas, sal e combinações destes produtos) alteraram fundamentalmente sete características nutricionais cruciais na alimentação ancestral do homem primitivo: 1) carga da glicemia, 2) a composição de ácidos gordos, 3) a composição de macronutrientes, 4) densidade de micronutrientes, 5) equilíbrio ácido-alcalino; 6) a proporção de sódio-potássio; e 7) teor de fibra. A colisão evolutiva de nosso antigo genoma com as qualidades nutricionais dos alimentos introduzidos recentemente pode estar ligados às doenças crônicas da civilização ocidental – conforme apresentado em estudo[3].
É fato que nesta altura não teremos acesso a uma comida igual à do homem das cavernas. Mas, não se trata disso. E sim, de inspirar-se no modelo alimentar que consiste numa diversidade baseada na oferta conforme a geografia (local em que se reside) e oportunidades de acesso ao alimento conforme a época do ano. Que exclui produtos industrializados.
O que chamamos de “estilo Paleolítico”, tem como base o consumo de produtos orgânicos, naturais. A recomendação da nutrição paleolítica é excluir grãos, laticínios e produtos oriundos da indústria.
A perda de peso é uma consequência de uma alimentação de mais saudável e equilibrado para o ser humano, que tende a eliminar os “venenos” da alimentação moderna ocidental, que são grandes causadores de doenças diversas.
A proposta é que se divida a refeição em:
Na dieta Paleo recomenda-se também que as carnes sejam assadas em fornos em até 220 graus centígrados, no máximo.
Mas, afinal – quais benefícios pode haver no estilo Paleolítico?
Um organismo que se alimenta deste tipo de nutrição está em constante oxidação de gordura, por ser sua única fonte de energia, portanto além da condição menos propenso a doenças, haverá disposição ao longo do dia todo, sem as queixas de sonolência e fadiga causadas pelo excesso da ingestão de carboidratos e hiperinsulinemia (excessos de insulina).
Já a alimentação baseada nos refinados, processados e alto consumo de carboidratos, pode contribuir para a acidificação do organismo e com o aparecimento de doenças crônicas, como as auto-imunes. O pH natural do ser humano está em torno do 7.4 – levemente alcalino. Com o consumo elevado de produtos de pH elevado, o ser humano atinge 4.5 a 5.0 – o que equivale ao índice de um indivíduo com câncer, por exemplo.
Um exemplo de órgão que passou a trabalhar mais com a evolução dos produtos industrializados é o pâncreas – que por milênios viveu descansando, adormecido em seus baixos índices de insulina. Agora, aproximadamente há cinco décadas, este órgão vem sendo exaurido por um comportamento alimentar nocivo. Quando estamos com o nível alto de insulina, isso acaba se tornando um ciclo vicioso. A insulina alta estimula a fome, o que nos faz comer mais e, assim, acumular gordura na circunferência abdominal.
O indivíduo com insulina alta não consegue mais manter níveis baixos de glicose, por ter possivelmente desenvolvido resistência insulínica e, se não mudar seu comportamento, estará caminhando para o diabetes tipo 2. Reflexo de um estilo de vida sedentário e com baixo valor nutricional.
Estudo recente[7] (2017) demonstrou que uma dieta paleolítica melhora a massa gorda e o equilíbrio metabólico, incluindo sensibilidade à insulina, controle glicêmico e leptina em indivíduos com diabetes tipo 2. Há indicativos de redução do risco cardiovascular[8] nestes pacientes. A alimentação Paleo contribuiu ainda para a manutenção do colesterol LDL, redução dos níveis de triglicérides, e auxilia a reduzir a pressão arterial[9,10]
A dieta Paleo trata exatamente do oposto de hábitos nocivos e pode ser adotada como meio de estilo de vida saudável.
A perda de peso é uma consequência de uma alimentação de mais saudável e equilibrada, que tende a eliminar os “venenos” da alimentação moderna ocidental, que são grandes causadores de doenças diversas.
[1] Autor do livro The Primal Blueprint e do blog Mark’s Daily Apple.
[2] Eaton SB 1, Eaton SB 3ª . Paleolithic vs. modern diets–selected pathophysiological implications.Eur J Nutr. 2000 Abr; 39 (2): 67-70.
[3] Cordain L, S Eaton B, Sebastian A, Mann N, Lindeberg S, Watkins BA, O’Keefe JA, and Brand-Miller J. Origins and evolution of the Western diet: health implications for the 21st century. Am J Clin Nutr Fevereiro 2005. vol. 81 n. 2 341-354. Disponível em http://ajcn.nutrition.org/content/81/2/341.full#sec-20
[4] Domínguez-Rodrigo M, Pickering TR, Diez-Martín F, Mabulla A, Musiba C, Trancho G, et al. (2012) Earliest Porotic Hyperostosis on a 1.5-Million-Year-Old Hominin, Olduvai Gorge, Tanzania. PLoS ONE 7(10): e46414. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0046414
[5] Micha R, Wallace SK, Mozaffarian D. Red and processed meat consumption and risk of incident coronary heart disease, stroke, and diabetes: A systematic review and meta-analysis. Circulation. 2010;121(21):2271-2283. doi:10.1161/CIRCULATIONAHA.109.924977.
[6] Paleolithic nutrition for metabolic syndrome: systematic review and meta-analysis Am J Clin Nutr 2015 102: 922-932. Disponível em ajcn.nutrition.org/cgi/content/full/102/4/922
[7] Otten J. , Stomby A. , Waling M. , Isaksson A. , Tellström A. , Lundin-Olsson L. , Brage S. ,M. Ryberg , M. Svensson , e Olsson T. ( 2017 ) Benefícios de uma dieta paleolítica Com e sem exercício supervisionado sobre massa gorda, sensibilidade à insulina e controle glicêmico: um estudo randomizado e controlado em indivíduos com diabetes tipo 2 ,Diabetes Metab Res Rev , 33 : e2828. Doi: 10.1002 / dmrr.2828 . Disponível em http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/dmrr.2828/full Acessado em 22/04/17
[8] Jönsson T, Granfeldt Y, Ahrén B, Branell UC, Pålsson G, Hansson A, Söderström M, Lindeberg S. Beneficial effects of a Paleolithic diet on cardiovascular risk factors in type 2 diabetes: a randomized cross-over pilot study. Cardiovasc Diabetol. 2009;8:35
[9] Masharani, U., Sherchan, P., Schloetter, M., Stratford, S., Xiao, A., Sebastian, A., et al. (2015). Metabolic and physiologic effects from consuming a hunter-gatherer (Paleolithic)-type diet in type 2 diabetes. European Journal of Clinical Nutrition. http://doi.org/10.1038/ejcn.2015.39
[10] Pastore, R. L., Brooks, J. T., & Carbone, J. W. (2015). Paleolithic nutrition improves plasma lipid concentrations of hypercholesterolemic adults to a greater extent than traditional heart-healthy dietary recommendations. Nutrition Research (New York, N.Y.). http://doi.org/10.1016/j.nutres.2015.05.002